Noites de inverno na cidade

       Não me lembro muito bem qual foi a data exata. Lembro-me que era de noite, foi num dia comum da semana, todos estávamos numa taverna moderna da cidade. Fomos por algum motivo lá, não sei qual, mas fazia tempo que não nos juntávamos todos, então isso me parecia motivo suficiente. Naquela noite tocava blues, eu tentava me misturar a qualquer assunto que estava a meu alcance, mas ela não. Eu percebia nos olhos dela o quanto estava prestando atenção nas palavras que aquela cantora tirava da boca com tanta facilidade, ela também prestava atenção nos movimentos que ele fazia, quando olhava pro lado, quando brincava com as gotículas do copo suado, quando levantava as sobrancelhas ao ouvir algo inesperado ou impressionante. Era estonteante demais pra ela. Eu, como sempre, fingia que não via, mas estava percebendo tudo aquilo, pudera eu ajudar. Mas me parecia que ela tinha algo mais a dizer além de suspiros vagos. Será que existia alguma coisa a mais naqueles silêncios desconfortável dos dois? Eu nunca tinha visto os dois juntos ou ao menos conversando normalmente...
       Percebo que ela fala para o irmão, que estava ao seu lado, que iria até a rua pegar um ar, respirar melhor, pois a fumaça dos cigarros e os sons de copos brindando estavam deixando-a tonta. Porém, antes eu percebi um pequeno movimento de como quem escreve algo em algo, eu estava certa. Vejo que ela escreve num pedaço de guardanapo que ela empurrou até ele, com certa esperança. Então, ela pôs seu casaco vermelho e ela saiu porta afora.
       Segundos após, ele lê disfarçadamente o bilhete que ela havia deixado para ele, a princípio ele teve uma expressão neutra, tomou um gole de cerveja, vestiu o casaco e disse que ia comprar cigarro. Não acreditei como os outros, eu só conseguia observar seu rosto tenso ao levantar da mesa do bar. Depois daquela noite, daquela cena, nunca mais vi os dois. Eles não voltaram para o bar. Avistei ela esses dias pelo centro da cidade, mas ela me parecia estável, pelo menos melhor do que naquela noite.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

EI, PARA!

Mutuamente